quarta-feira, outubro 12, 2005

Enquanto a chuva não vem...



...ó ka binha inda. Es testu di jornalista purtugues Jorge Marmelo sai na kadernu Fugas di jornal O Público. Gosi li, Txuba dja ben y Kabu Verdi é uma redundância.



No naco de estrada alcatroada que vai de S. Domingos à Assomada, serpenteando pelo interior da ilha de Santiago, a menina estende um mamão a quem passa. Tem um lenço na cabeça, acácias ao redor, a geografia escarpada da maior ilha cabo-verdiana marcando-lhe o corpo. São rijas as pontas dos seus dedos, ágeis e fortes as pernas afeitas a subir e descer arribas acartando água, envergonhado o sorriso espontâneo, bonito, que oferece ao fotógrafo.

A terra parece árida, seca, agreste, mas, explica o guia, basta que chova um pouco para que o verde tome conta das paisagens e se assemelhe àquele dos bananais do Cancelo. Basta que chova. As nuvens no céu azul da ilha do Sal, porém, jamais lacrimejam, ou quase nunca. São apenas uma promessa, uma miragem tão intocável quando o logro de água que a reverberação do sol faz nascer, ilusória, na terra plana a caminho do Monte Leste. Bastava que chovesse um pouco para que Cabo Verde fosse um pouco diferente do que é: no caminho entre o Mindelo e o Calhau, na ilha de S. Vicente, as plantações pouco medram sob o sol inclemente. Mesmo que haja quem caminhe indiferente à brasa, a terra parece queimada, estiola.

A velha baliza no campo de pó negro já perdeu a conta aos furos que o passado lhe desferiu. A arte dos golos, porém, dispensa o desvelo da rega. Os deuses da bola são mais benévolos do que aqueles que comandam os humores da chuva.

Jorge Marmelo

In Suplemento Fugas, Jornal O Público
Desde 27/11/2004