sábado, outubro 28, 2006

Jornalista tem Opinião?

Há dias, recebi um Comment de um anónimo, acerca do meu envolvimento (que ele considera anti-ético) com certas causas sociais. Na perspectiva deste Anónimo, eu deveria ter ficado de bico calado, num respeito silencioso pelo Código Deontológico do Jornalista – que, aliás, nunca foi aprovado em Cabo Verde.

É estranho que, como jornalista, insistas em fazer juízos de opinião que, ao fim e ao cabo, vão levantar suspeição na tua actividade profissional, em termos de isenção e de boa fé. Assim como não é normal um juiz parodiar com o arguido ou julgar o próprio filho, assim também o jornalista, mesmo não sendo neutro, terá de ter reservas, discrição e isenção. A isso chama-me deontologia, Matilde. A noção de certas incompatibilidades...”

Mas antes de ir ao cerne da questão, gostava de esclarecer ao Sr. Anónimo de que há, sim, um jornalismo de opinião, que é necessariamente diferente do jornalismo informativo. Caro anónimo: o jornalista não é caixa de ressonância e muito menos um menino-de-recados. Ele pensa e interage com o meio. A objectividade é um mito há muito derrubado. Como disse, e bem, Claudio Abramo, um grande jornalista brasileiro, jornalista tem opinião ( # achismo) sim senhor.

A posição que considera o jornalista um ser separado da humanidade é uma bobagem. A própria objectividade é mal-administrada, porque se mistura com a necessidade de não se envolver, o que cria uma contradição na própria formulação política do trabalho jornalístico. Deve-se, sim, ter opinião, saber onde ela começa e onde acaba, saber onde ela interfere nas coisas ou não”. Claudio Abramo

O jornalismo não pode ser isolado do meio social em que é exercido. O jornalista não deve ser um profissional autista. Um país como Cabo Verde, que ainda procura registar seu percurso histórico, que ainda tece os primeiros passos da sua democracia, o jornalista tem sim um papel a desempenhar e não poderá divorciar-se da sua realidade. Denúncia, Sr. Anónimo. É preciso denunciar irregularidades, é preciso denunciar abusos, é preciso, sim, mais do que nunca, contribuir para um país mais justo.

Pergunto eu: Eugénio Tavares deveria, então, ter permanecido no silêncio, no tempo do colonialismo? Se seguissem a lógica do Sr. Anónimo, Eugénio Tavares e Pedro Cardoso nunca teriam denunciado a condição degradante dos emigrantes forçados para São Tomé, nunca teria denunciado as restrições do Governo Português à emigração cabo-verdiana para os Estados Unidos. A isto se chama jornalismo com causa, longe da conivência e do autismo.

Como exemplo da minha “alegada” falta de ética profissional, ele indica a minha crítica sobre a política do audiovisual – neste ponto, o tal Anónimo sublinha que o Ministério da Cultura era o patrocinador dos programas que eu fazia na TCV. Afinal? Deveria então ficar calada porque o MC era o patrocinador? Eu defendo sim o ilhéu como um património de todos nós que urge ser preservado. Eu defendo sim uma mostra de cinema documental, num país onde os espaços de cinema e audiovisual fecham as portas. Eu defendo sim uma política para o audiovisual, para que haja uma produção local. Eu defendo como jornalista, como cidadã, como cabo-verdiana. Ao contrário de muita boa gente, que prefere ficar mudo, cego e anónimo.

Mas gostei do tom paternalista com que este respeitável Anónimo escreveu a sua mensagem – gostei, porque lembrou-me o meu pai, que não vejo há muitos anos. Por isso, e por ter manifestado a sua opinião, agradeço.

Matilde Dias, jornalista

2 Comments:

Blogger Matilde fla ma...

Caro Anónimo: acabo de receber o seu comentário, enviado directamente para a minha caixa de correio. E quero continuar a debater este tema, aliciante, consigo. Porém, não dialogo com espectros. Prefiro debater com pessoas. Estou na NET de peito aberto, com BI e endereço. Gostaria imenso de publicar a resposta que tenho para o seu novo comentário e gostaria de publicar o seu comentário, que vale a pena ser acompanhado. POrém, repito, o Lantuna reserva-se no direito de não publicar comentários que não venham acompanhados de uma identificação e do respectivo email. Um abraço, Matilde Dias

10:13 da manhã  
Blogger Matilde fla ma...

Caro (e Insistente) Anónimo: talvez não tenha lido o meu comentário sobre a não publicação de comentários anónimos. Indigna-se com o facto de eu não publicar os seus escritos. Mesmo sendo a Internet um espaço público, como diz, este blog é pessoal. Aqui, manifesto minha opinião e ideias e este espaço está a aberto a pessoas que, como eu, não têm medo de se manifestar. Quando se identificar, os seus comentários serão benvindos. Agora, pergunto-lhe, a si que é tão interessado em deontologia: onde está sua ética, que se escuda atrás do facto da Net ser uma espaço aberto, para julgar a deontologia dos outros e sem assumir as suas opiniões? Ainda por cima, sendo o Sr. um colega?!... Sr. Anónimo, mais coragem e menos incongruências: começou por criticar-me por manifestare minha opinião...e agora, concorda, mas procura outros motivos para continuar a tentar puxar-me as orelhas, motivado por objectivos outros.

Incomodo-lhe? Sabe quem eu sou, onde estou e o que faço: tenha coragem e apareça, caro espectro...Matilde Dias

2:34 da tarde  

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