terça-feira, dezembro 14, 2004

"O percurso do Outro”

Um documentário sobre a cabo-verdianidade

por Orlando Borja*

“Ku irupson di vulkon di fogu, na 1995, nha vida muda kompletamenti. Assim, começa o filme-documentario “O Percurso do outro”, do antropólogo e realizador cabo-verdiano Guenny Pires, exibido no mês de Maio do corrente ano, na ilha do Fogo, ilha natal do autor e na Praia. A fita é o resultado de três (3) anos de andanças por caminhos íngremes, com muitos zig-zag… De câmara na mão, pátria no peito, convicção no olhar e pouco no bolso (!), Guenny Pires saiu em busca do outro para se encontrar consigo próprio e entender melhor o especifico que é a nossa cabo-verdianidade. O ponto de partida é Chã das Caldeiras, ilha do Fogo. Depois, a longa viagem de descoberta continua por Santiago, Maio, S. Vicente, S. Nicolau, S. Antão e Brava. De seguida, faz um salto aos EUA onde vai reencontrar o lendário navio Ernestina, hoje um barco-escola-museu, bem conservado para dar luz sobre o passado das relações entre a imensa América e o pequenino Cabo Verde.

Guenny aplica uma certa linguagem cinematográfica para falar de kultura e de identidade, ou melhor, deixa as próprias pessoas falarem e, sobretudo, a mostrarem a sua cabo-verdianidade. O filme é um cruzamento de histórias, de vivências e de espaços. A viagem-passagem entre Nova Sintra, na Brava, e Manhatham, apesar de repentina, é tão suave, pese embora os contrastes entre as duas realidades. Por outro lado, os dois espaços parecem tão familiares entre si que o câmara-man segue a mesma linha…

“O percurso do Outro” resgata memórias, cruza histórias, antigas e novas: as peripécias de Nácia Gomi, o kamin di S. Tomé e vida karanguixadu di Codé-di-Dona, os violinos de Nho Kzik e Raúl di Pina, etc. Ramiro Mendes e Sara Tavares, entre outros, expressam sobre aspectos dessa cabo-verdianidade: finason, tabanka, funaná,… Pelo meio, as vozes dos historiadores António Correia e Silva e Daniel Pereira que nos ajudam a ligar os caminhos e fazer pontes de entendimento. Entretanto, Cabo Verde faz-se de tantas contradições: no interior de Santiago Guenny pergunta a um miúdo sobra a nossa kultura e a resposta saiu na ponta da língua: “Na skola prufisora nunca ka flanu kuze ke kabuverdianidadi!”

O Percurso do Outro não termina por aqui. Nem as andanças do Guenny. Pois, esse documentário não conseguiu obter o financiamento de que necessita. Quer dizer, no domínio da kultura ainda é preciso garbata txeu por aí para se poder mostrar aquilo que é nosso!!! Estranha contradição de uma sociedade que vive dizendo que a kultura é a sua melhor riqueza! Neste ponto impõe-se uma questão: porque será que a tão necessária lei do Mecenato não avança?
Por esta e por outras, existem razões para continuarmos a investigar sobre nós próprios.

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Orlando Borja, antropólogo caboverdiano, natural di Praia
podogo3@yahoo.com.br

Desde 27/11/2004